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Comer como ato político!

Nos últimos meses as discussões sobre política (se não evitadas), têm sido tópico para muitos diálogos, seja pela administração dos últimos anos, as eleições que se aproximam ou o atual estado da sociedade e do planeta. O sentimento de impotência vem junto com essas conversas e não sabemos como, de forma efetiva, fazer algo para que a situação melhore. A verdade é que a chave está à mesa. A procedência dos alimentos e o que escolhemos para nutrir o corpo e cuidar do mundo é o lugar onde podemos efetivamente exercer o voto democrático.

Entramos nas grandes redes de mercado e encontramos, independente das estações, toda variedade de frutas, vegetais, proteínas, laticínios e ultra processados. O que não olhamos, devido essa dita facilidade, é que ao comprar dessas redes, estamos alimentando o poder e o monopólio de uma indústria que visa o lucro, e para isso não mede esforços ou recursos, enriquecendo com o desmatamento, a poluição, o desperdício e a desinformação.

O agronegócio abastece as redes de mercado – sendo a alimentação um dos maiores gastos de uma família – monopolizando a oferta do alimento, enriquecem e se empoderam, a agricultura se torna apenas um meio para conquistar interesses econômicos. Escolhendo fazer compras nestes mercados, sem o conhecimento, centralizamos a renda, autorizamos e financiamos a produção em larga escala de monoculturas que degradam o solo, usam pesticidas que envenenam as águas e geram uma cadeia onde o agricultor e o consumidor são desvalorizados e expostos diretamente a agrotóxicos letais permitidos por um governo que lucra e se beneficia desse ciclo.

Do resultado da interdependência entre rede de mercado, produção e consumidor privado de informação, estamos esgotando os bens naturais de valor incalculável: o solo, as águas, a vida, o planeta, e tudo isso, de forma ineficiente. Hoje, 29% da população mundial está passando por um período de insegurança alimentar¹; e eis que surge a questão: como é possível que pessoas estejam passando fome enquanto as indústrias alimentícias esgotam os recursos do planeta justamente para produzir alimentos? A resposta é clara, porém não simples.

A maior parte de terra cultivada atualmente, se destina a alimentação de gado de corte. A soja, um dos grãos mais cultivados no mundo, junto com o milho, se direciona em porcentagens de 79% à agropecuária², e, para atender essa demanda, surgem monoculturas por todo o país. Desse modo, a quantidade de grãos suficientes para erradicar a fome, se transforma em alguns quilos de carne que geram um lucro muito maior aos grandes empresários. 

Além disso, para atender essa demanda da agropecuária e dos hortifrútis das redes de mercado, os venenos, chamados pesticidas, se tornaram essenciais, a fim de evitar perdas nas plantações, desse modo, são “regulamentados” e disponibilizados pelos mesmos que lucram com a venda do produto final. Utilizados em larga escala associado a monocultura, desregula em mais um ponto o sistema natural e por sua vez a biodiversidade. Estima-se que em algumas décadas, 40% da polulaçao mundial de insetos podem ser destruídas³, e qual impacto isso gera para nós? A polinização de todos os alimentos cultivados se dão pelos tais insetos. Estamos de maneira grosseira e sutil, escolhendo morte à vida. 

A agricultura, atualmente, é um objeto de poder, o ato de se alimentar é onde fica a maior parte do nosso dinheiro, as grandes industriam monopolizam hoje a oferta do alimento, sentimos que não existe escolha e seguimos o velho habito e a facilidade dos grandes mercados, esses mesmos que inventam a liberdade do mercado, o qual eles tem total controle, acumulam grande riqueza e fazem o necessário para o aumento constante do lucro. Uma vez que se torna objeto de poder, a produção em larga escala de monoculturas, que oferece “o suficiente” para abastecer o mercado é visada como solução, enquanto degrada o solo, envenena as águas e mata diretamente o produtor e indiretamente os consumidores. O suficiente para o bolso deles é a degradação do mundo.

Logo, de frente às informações podemos nos sentir alarmados e impotentes, mas essa roda de consumo que alimenta a desigualdade e a destruição nos prova o contrário. É por meio das nossas escolhas em cada refeição que democraticamente aceitamos e reconhecemos essa condição como realidade, damos o poder às grandes indústrias e agronegócios, aceitamos o ciclo e repercutimos ele com nossa alimentação inconscientemente direcionada ao lucro do agronegócio. 

Felizmente, Temos a oportunidade de consumir de forma consciente e limpa, comprando diretamente de agricultores e pequenos negócios locais, dessa maneira, alimentamos uma rede sana, baseada na colaboração e na distribuição do poder entre os consumidores e produtores, dando significado a nossa dieta e fortalecendo uma comunidade que caminha junto, olhando sem as barreiras impostas pela indústria alimentícia e criando um novo mundo que preza a diversidade, as águas, a terra, as pessoas, a vida. Podemos assim, exercer a democracia, criando uma nova cadeia embasada pela cooperação, confiança, reciprocidade e respeito, levando as decisões dentro de uma comunidade mútua, onde o valor são as conexões. Essa perspectiva nutre uma persistência, quando olhamos o mais profundo bem comum e o mundo que queremos e PODEMOS construir juntos.

Cada movimento relacionado as nossas escolhas, geram uma onda na construção do mundo de realidades compartidas, que nós, sejamos valentes e exerçamos o poder da democracia em cada garfada.

– Jade Luiza

Referências

¹ https://exame.com/mundo/fome-brasil-mundo-2022/

² https://www.wwf.org.br/natureza_brasileira/reducao_de_impactos2/agricultura/agr_soja/#:~:text=Por%20que%20soja%3F,o%20que%20fortalece%20os%20animais

³ https://doi.org/10.1371/journal.pone.0220029

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